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Rien que les heures

Quinta-feira, 20 de janeiro de 1927

CINEMATOGRAPHOS

 

Rien que les heures

 

Alberto Cavalcanti, um fino artista brasileiro, pintor de raro talento, residente em Paris, dedicou-se, já faz tempo, a coisas de cinema. Começou pintando cartazes para grandes filmes franceses; do cartaz passou aos cenários; e, agora, de cenógrafo, chegou a produtor[1]. Eis o que, a propósito da sua última criação, escreveu o sr. Vicente Avelino no Brazil de 18 de dezembro passado:

A convite especial do autor, assisti, na sala de conferências do Grand Palais, à exibição do último filme de Alberto Cavalcanti, jovem produtor brasileiro.

A película apresenta, logo à primeira vista, a particularidade de não ter, propriamente falando, nem enredo, nem atores. Em Rien que les heures, o sr. Cavalcanti não quis senão fixar os diferentes aspectos de Paris, entre meio-dia e meia-noite. Veem-se, nesse estranho filme, tipos, aspectos, fatos que não têm, muitas vezes, perfeita correlação entre si, mas que são, entretanto, tipos, aspectos e fatos que formam a grande vida obscura de uma grande cidade. Por exemplo: pobres coitados que dormem sobre os bancos dos jardins públicos: uma mulher que passeia, na caça ao homem; um “apache” que, numa esquina mal iluminada, ataca e “alivia” uma transeunte... Sucedem-se as cenas rápidas, umas sobre as outras, sem darem ao espectador tempo para fixá-las, proporcionando-lhe apenas uma impressão da velocidade do tempo. Torna-se o filme, por isso, uma espécie de caleidoscópio fantástico, em que as mais diferentes imagens passam num minuto.

Bem se pode imaginar a capacidade de observação que uma produção deste gênero exigiu do seu metteur en scène. De parte as qualidades puramente artísticas e técnicas, o que mais me impressionou, neste filme, foi esse agudo poder de observação que ele revela. Sob este aspecto, Rien que les heures é um trabalho verdadeiramente notável.

A ideia da fita é, antes, metafísica, e poderia se resumir nestas palavras: “Podemos fixar um ponto no espaço; podemos imobilizar um momento no tempo, posto que o espaço, como o tempo, não nos pertença”. Para provar a sua tese, o sr. Cavalcanti fixou um ponto no espaço: Paris; e imobilizou um momento no tempo: a vida de Paris em 24 horas. Não será esta “imobilização do tempo” pela imagem uma das maiores maravilhas da arte cinematográfica, no futuro? Penso que sim. A expressão um tanto vaga, até hoje, “fazer parar o tempo”, deixará de o ser, pois que a fotografia, que fixa um tempo no espaço, imobiliza, por isso, um momento no tempo.

Talvez não seja Rien que les heures muito apreciada pelo “grande público”, esse grande público que vai ao cinema para “divertir-se”... Falta-lhe, para agradar à multidão, justamente aquilo que a multidão prefere: um enredo atraente e “estrelas” famosas... Rien que les heures será, antes, uma produção para as elites, pequenos grupos que sabem saborear o que vem da inteligência e da arte...

                                                                                                                         *

Adeus lindos tempos em que o brasileiro, em Paris, não era mais que o métèque [2]cor de oliva de camisa verde, gravata amarela, meias azuis, luvas cor de rosa, com estrelas de brilhantes cintilando nos 21 dedos[3] do corpo humano, e ouros e pedrarias cascateando, colete abaixo, por essa simpática e fascinante cachoeira de Paulo Afonso ambulante...

 

1 Embora Cavalcanti tenha sido também o produtor deste filme, a palavra “produtor” nessa época se referia sobretudo ao papel que hoje tem o diretor de uma película.

2 Um estrangeiro cujo comportamento é considerado displicente.

3 Aqui, Guilherme de Almeida faz referência às estrelas da bandeira nacional, que à época eram vinte e uma.

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