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As Bacas, de Eurípides

Tradução de Jaa Torrano (FFLCH-USP)



EURÍPIDES – As Bacas
                         

ARGUMENTO DE AS BACAS

 

Os parentes de Dioniso em Tebas negavam que fosse um Deus. Ele lhes impôs a punição conveniente: enlouqueceu as mulheres tebanas e conduzindo seus tíasos as filhas de Cadmo foram para o Citéron. Cadmo já velho, Penteu, filho de Agave, assumindo a realeza, afligia-se com os acontecimentos, prendeu as bacas capturadas e enviou outros contra o Deus mesmo. Eles o dominaram sem resistência e conduziram a Penteu. Este os ordenou prendê-lo e guardá-lo no palácio, não somente dizendo que Dioniso não é Deus, mas ainda ousando tratá-lo em tudo como a um homem. Este com terremoto arruinou o palácio e conduzindo ao Citéron, persuadiu Penteu a espionar as bacas, com vestes de mulher. Elas o dilaceraram, comandadas pela mãe Agave. Cadmo, ao saber do fato, recolheu os membros dilacerados e por fim avistou a cabeça nas mãos da mãe. Dioniso manifesto dirigiu-se a todos e a cada esclareceu o que lhe aconteceria, a fim de que forasteiros não o desprezassem como homem nem por atos nem por palavras.


ARGUMENTO DO GRAMÁTICO ARISTÓFANES

Dioniso, quando se tornou Deus, porque Penteu não queria adotar seus rituais, enlouqueceu as irmãs de sua mãe e obrigou-as a dilacerar Penteu. O tratamento do mito consta em Ésquilo em Penteu.

Drama representado após a morte de Eurípides, ocorrida em 407/406.


[PRÓLOGO (1-63)]

DIONISO:

   Venho a esta terra tebana, filho de Zeus,

   Dioniso, que nasceu da filha de Cadmo,

   Sêmele, partejada por relampejado fogo.

   Mudada a forma de Deus na de mortal,

   estou no fluxo de Dirce e no rio Ismeno.                   5

   Vejo este monumento à mãe fulminada

   perto do palácio e ainda ruínas da casa

   fumegar chama viva do fogo de Zeus,

   imortal agressão de Hera à minha mãe.

   Louvo Cadmo, que interditou este solo,                  10

   santuário da filha. Eu o cobri ao redor

   todo com o cacheado verdor de videira.

   Deixei os auríferos territórios dos lídios

   e frígios, percorri ensolarado chão pérsio,

   muralhas báctrias e a intempestiva terra                  15

   de medos, Arábia de bom Nume e toda

   a Ásia que está à beira do salgado mar

   com as belas fortificadas urbes repletas

   de gregos e bárbaros misturados juntos,

   e vim a esta primeira urbe entre gregos,                  20

   lá fiz coros e instituí os mistérios meus,

   para manifestar-me Nume aos mortais.

   Aqui primeiro em Tebas em terra grega

   alarideei depois de atar a pele de corça

   e empunhar o tirso, a hederígera lança.                   25

   Quando irmãs da mãe, quem não devia,

   disseram Dioniso não nascido de Zeus,

   e Sêmele feita mulher por um mortal

   atribuir a Zeus esse desacerto do leito,

   sofismas de Cadmo, e por esse alarde                    30

   Zeus tê-la matado por mentir núpcias.

   Por isso de suas casas eu as aguilhoei

   loucas e vivem no monte perturbadas,

   e obriguei a ter vestes de meus ritos.

   E enlouqueci toda a feminina semente                    35

   de cadmeias, todas elas, fora de casa;

   sentam-se junto com filhas de Cadmo

   sob verdes abetos em pedras sem teto.

   Esta urbe deve aprender, sem querer,

   que não se iniciou em meus delírios,                       40

   e minha mãe Sêmele devo defender

   claro aos mortais Nume nato de Zeus.

   Cadmo outorga o privilégio e poder

   a Penteu, porque nascido de sua filha,

   ele combate Deus em mim e repele-me                   45

   de libações e não menciona em preces.

   Por isso, Deus nato me mostrarei a ele

   e aos tebanos todos. Bem situado aqui,

   manifesto, moverei o pé em mudança

   para outra terra. Se a urbe dos tebanos                   50

   com armas irada tentar tirar as Bacas

   do monte, atacarei chefiando as loucas.

   Por isso tenho outro aspecto de mortal

   e mudei a minha forma em ser humano.

   Ó vós, vindas de Tmolo, fortaleza lídia,                    55

   ó tíaso meu, mulheres que dos bárbaros

   trouxe parceiras de pouso e de percurso!

   Erguei os tamborins regionais da urbe

   frígia, invenção de mãe Reia e minha,

   circundai este palácio real de Penteu                       60

   e estrepitai para a urbe de Cadmo ver.

   Eu com as Bacas ao vale do Citéron

   irei onde estão e participarei dos coros.


[PÁRODO (64-169)]

CORO:

   Em ásia terra longe

   deixei o sacro Tmolo e danço                                   65

   doce esforço por Brômio,

   fácil fadiga, com evoé

   evocando Báquio.

   Ó da rua! Ó da rua!

   Ó de casa, vinde fora!

   Todos consagrem silente boca!                                 70

   Hinearei os costumeiros

   sempre a Dioniso.

 

   Feliz quem de bom Nume                                         EST. 1

   viu mistérios de Deuses,

   mundifica a sua vida,

   põe a alma no tíaso,                                                  75

   bacante nos montes

   em depurações lícitas

   tendo por lei os ritos

   de grande mãe Cíbele

   brande alto o tirso                                                     80

   e coroado de heras

   é cultor de Dioniso.

   Vinde, Bacas, vinde, Bacas,

   Brômio Deus filho de Deus

   Dioniso trazei dos montes                                        85

   frígios às amplas ruas

   da Grécia, o Brômio!

 

   Quando o gestava ainda                                            ANT. 1

   no parto coato de dores

   por voar trovão de Zeus                                            90

   a mãe pariu do ventre

   fruto ao deixar a vida

   com fulminante golpe,

   já o recebeu na câmara

   do parto Zeus Crônida,                                             95

   e recoberto na coxa

   costura-o com alfinetes

   áureos oculto de Hera.

   Partes se cumprindo

   pariu tauricórnio Deus                                              100

   e coroou-se de serpentes

   daí loucas pôr nas tranças

   preia nutriz de fera.

  

   Tebas nutriz de Sêmele,                                            EST. 2

   coroai-vos de heras,                                                  106

   brotai, brotai verdes

   briônias de belas bagas,

   debacai-vos com ramos

   de carvalho ou de abeto                                           110

   e vestes de corça pedrês,

   coroai-vos com lã de alvas

   tranças, consagrai soberbas

   férulas, dançará toda a terra,

   quando Brômio guiar o tíaso                                    115

   ao monte, ao monte, onde

   feminina turba espera

   longe de rocas e teares

   aguilhoada por Dioniso.

 

   Ó recanto de Curetes,                                               ANT. 2

   divinas grutas de Creta                                            121

   criadoras de Zeus onde

   os Coribantes trielmados

   nas furnas me inventaram

   este redondo tenso tambor                                      125

   e na baqueia intensa com

   doce grito de flautas frígias

   puseram na mão de mãe Reia,

   fragor aos evoés de Bacas,

   enlouquecendo-se os Sátiros                                   130

   conseguiram da Deusa mãe

   e nas festas bienais

   enlaçaram aos coros

   com que se praz Dioniso.

 

   Doce é nos montes quando                                      EPODO

   de tíasos velozes cai no chão                                   136

   com a sacra veste de corça

   caçando o sangue

   caprino, crudívora graça,

   solto nos montes frígios, lídios,                                140 

   este regente Brômio,

   evoé!

   Flui leite no chão, flui vinho,

   flui néctar de abelhas.

   Qual fumo de incenso sírio

   o Baqueu ergue ígnea                                              145

   chama de pinho

   e salta com a férula

   nas corridas e nos coros,

   errante, provocante,

   vibrando altos brados,

   lançando ao céu luxuosa trança.                              150

   E com evoés ressoa assim:

   vinde, ó Bacas,

   vinde, ó Bacas,

   luxo de aurífluo Tmolo,

   celebrai o Dioniso,                                                    155

   sob tonítruos tambores,

   com évio júbilo do évio Deus,

   com gritos e vozes frígios,

   quando ressoa sonora flauta                                    160

   sacra sacros jogos consoantes

   nos passeios no monte, no monte.

   Qual feliz potra com a mãe no pasto,                       165

   move o pé veloz aos saltos – Baca!


[PRIMEIRO EPISÓDIO (170-368)]

TIRÉSIAS:

   Ó da porta! Chama lá da casa Cadmo,                     170

   filho de Agenor, que deixou a sidônia

   urbe e edificou esta cidade dos tebanos.

   Vá lá alguém, anuncia que Tirésias o

   procura; ele sabe por que razão venho,

   que combinei, velho com mais velho,                       175

   acender os tirsos, vestir pele de corça

   e coroar a cabeça com ramos de hera.


CADMO:

   Ó caríssimo, ao perceber ouvir tua voz

   sábia de sábio varão, ao estar em casa,

   venho, pronto com esta veste do Deus.                    180

   Devo, porque é filho de minha filha

   Dioniso que surge Deus aos homens,

   magnificar tanto quanto for possível.

   Onde devo dançar? Onde pôr o pé

   e sacudir cabeça grisalha? Diz-me tu,                      185

   ao velho, ó velho Tirésias! Tu és sábio.

   Não me cansaria à noite nem de dia

   bater o tirso na terra com doce oblívio

   de velhice.


TIRÉSIAS:

                     Sentes o mesmo que eu!

   Também sou jovem e farei a dança.                         190


CADMO:

   Não iremos nós de carro ao monte?


TIRÉSIAS:

   Mas o Deus não teria igual honra.


CADMO:

   Eu sou o preceptor velho do velho.


TIRÉSIAS:

   O Deus nos conduzirá fácil para lá.


CADMO:

   Só nós da urbe dançaremos a Báquio?                    195


TIRÉSIAS:

   Só nós bem pensamos; os outros, mal.


CADMO:

   Muito tarda! Segura em minha mão!


TIRÉSIAS:

   Olha, junta e faz uma parelha a mão.


CADMO:

   Mortal nato não desdenho os Deuses.


TIRÉSIAS:

   Não fazemos sofismas com Numes.                         200

   Pátrias tradições que temos coevas

   do tempo, nenhuma razão rejeitará,

   nem se a suma sapiência se revelar.


CADMO:

   Dirão que não respeito a velhice,

   indo dançar com heras na cabeça?                          205


TIRÉSIAS:

   O Deus não distingue nem jovem,

   nem velho, se é necessário o coro,

   mas de todos quer ter as honrarias

   comuns; sem número quer louvor.


CADMO:

   Tirésias, porque não vês esta luz,                             210

   serei o teu intérprete por palavras.

   Penteu aqui vem rápido para casa,

   filho de Equíon, a quem dei poder.

   Tão perturbado, que novidade dirá?


PENTEU:

   Estava em viagem fora desta terra                           215

   e ouço novidades desta urbe más:

   mulheres nos abandonarem casas

   em falsas baqueias, nos frondosos

   montes dançarem, novato Nume

   Dioniso, que seja, sendo honrado                            220

   nos coros, crateras cheias no meio

   dos tíasos e cada uma por sua vez

   escondida servir leitos de machos,

   sob o pretexto de loucas sagradas

   irem a Afrodite antes de a Báquio.                           225

   Quantas prendi, servos conservam

   atadas pelas mãos em prisão pública;

   quantas faltam, caçarei nos montes,

   Ino, Agave, que me gerou a Equíon,

   e a mãe de Actéon, digo Autónoe,                            230

   e se as encerro em malhas de ferro

   cessarei esta maléfica baqueia logo.

   Dizem que um forasteiro imigrou,

   feiticeiro encantador da terra lídia,

   de olente cabeleira de loiros cachos,                        235

   víneo, visando graças de Afrodite,

   ele durante dias e noites convive

   com as jovens alegando ritos évios.

   Se o capturar dentro do território,

   cessarei estrépito de tirso e abalo                            240

   de cabeleira, quando o decapitar.

   Ele declara que Dioniso é Deus,

   ele diz costurado na coxa de Zeus

   quem abrasou nas luzes dos raios

   com a mãe, por falso leito de Zeus.                          245

   Isto não é terrível e digno de forca,

   transgredir tanto quem é forasteiro?

   Mas eis outro milagre: vejo o vate

   Tirésias em pele de corça malhada,

   e o pai de minha mãe, muito ridículo,                       250

   ser Baco com férula! Renego, ó pai,

   ver que vossa velhice não tem tino.

   Não rejeitarás a hera? A mão livre

   não soltarás do tirso, ó pai da mãe?

   Tu o persuadiste, Tirésias! Queres                           255

   com esse Nume novo aos homens

   sondar auspícios e lucrar das piras.

   Se velhice grisalha não te valesse,

   tu te sentarias preso entre as Bacas

   por trazer ritos danosos. Onde há                             260

   o brilho de uva na ceia de mulheres,

   não digo mais nada são nos rituais.


CORO:

   Ímpio, ó estranho, não temes os Deuses

   nem Cadmo semeador do fruto terrígeno,

   mas sendo filho de Equíon vexas a casa?                 265


TIRÉSIAS:

   Quando hábil varão tem bons motivos

   para falar, não custa muito falar bem.

   Tens bem fluente língua qual prudente,

   mas não há prudência em tuas palavras.

   Varão capaz de audácia e hábil orador                     270

   torna-se mau cidadão, se não tem tino.

   Este Nume novo, que tu ridicularizas,

   eu não poderia dizer quanta grandeza

   terá na Grécia. Ó jovem, dois princípios

   há entre os homens: a Deusa Deméter,                    275

   ela é Terra, dá-lhe um dos dois nomes,

   ela com alimentos sólidos nutre mortais,

   ele veio depois, êmulo filho de Sêmele,

   da vinha inventou líquida poção e deu

   aos mortais, ele tira os míseros mortais                    280

   da dor, quando cheios do fluxo da vinha,

   dá sono e oblívio dos males de cada dia,

   e não há outro remédio contra os males.

   Ele, Deus nato, é a libação dos Deuses,

   tal que os homens têm por ele os bens.                    285

   Ris dele porque foi costurado na coxa

   de Zeus? Dir-te-ei como é bem assim.

   Quando Zeus o tirou do fulmíneo fogo,

   e transportou o novo rebento ao Olimpo,

   Hera queria arremessá-lo fora do céu,                      290

   Zeus por sua vez tramou tal qual Deus:

   quebrou fragmento do céu circuntérreo,

   e deu refém a Hera, afastando Dioniso

   do rancor dela. Os mortais com o tempo

   dizem-no costurado no fêmur de Zeus,                     295

   trocando nome, pois o Deus da Deusa

   Hera foi refém, e compuseram o conto.

   Este Nume é divinatório, pois o báquico

   e o louco têm muita ciência divinatória.

   Quando o Deus vem muito a cada um,                     300

   faz os enlouquecidos dizerem o futuro.

   Ele tem alguma participação em Ares;

   estando a tropa em armas e em ordem,

   o pavor aturdiu, antes de tocar a lança;

   é loucura, e isso é da parte de Dioniso.                     305

   Ainda o verás até nas pedras de Delfos

   saltar com tochas o chão de dois cimos,

   verás brandir e sacudir o báquico ramo,

   e ser grande na Grécia. Penteu, ouve-me:

   não digas que o poder pode em homens,                  310

   mas se crês nisso e a crença te perturba,

   não te creias bem! Acolhe Deus na terra,

   faz libação, sê Baco e coroa tua cabeça!

   Não Dioniso obriga as mulheres serem

   prudentes com Cípris, mas por natureza                  315

   a prudência sempre é presente em tudo.

   Observarás isto: ainda que em baqueias,

   se ela for prudente, não se corromperá.

   Vês? Tu te alegras, se há muitos de pé

   às portas e a urbe faz o louvor a Penteu;                  320

   também ele, creio, se compraz de honras.

   Eu, pois, e Cadmo, de quem escarneces,

   faremos coroas de hera e faremos coros,

   grisalha parelha, mas dançar é preciso!

   Persuadido por ti não combaterei Deus.                   325

   Enlouqueces como dói mais, não terias

   cura com drogas nem sem elas adoeces.                 [MANUSCRITOS LP]


CORO:

   Ó velho, não vexas Febo nas palavras.

   Prudente, honras Brômio, grande Deus.


CADMO:

   Ó filho, bem te aconselhou Tirésias.                        330

   Vive conosco, não vás fora das leis!

   Agora voas, e pensando não pensas.

   Ainda que não seja Deus, como dizes,

   por ti seja dito, e por bem mente tu

   que é de Sêmele, que a creiam parir                        335

   Deus e honrem toda a nossa família.

   Constata a mísera morte de Actéon,

   que as crudívoras cadelas que criou

   dilaceraram, por alardear ser melhor

   que Ártemis nas caçadas nos bosques.                    340

   Não o sofras tu! Vem, eu te coroarei

   com heras e honra conosco ao Deus!


PENTEU:

   Não me ponhas a mão! Vai, sê Baco,

   mas não me transmitas tua estultícia!

   A esse instrutor da tua insensatez,                           345

   farei justiça. Apresse-se um de vós,

   vai ao trono onde ele sonda auspícios

   com tríplice forcado e revira ao revés

   e reverte tudo aquilo e mistura junto

   e solta coroas aos ventos e procelas!                       350

   Maior darei a mordida, se fizer isso.

   Percorrei outros a urbe e investigai

   efeminado forasteiro que traz nova

   doença às mulheres e polui os leitos.

   Se o capturardes, trazei-o preso cá                          355

   para que morra com justiça lapidar

   e veja amargas baqueias em Tebas.


TIRÉSIAS:

   Ó mísero! Não sabes o que dizes.

   Já estás louco, antes estavas tonto!

   Vamos, Cadmo! Supliquemos nós                            360

   por ele, ainda que ele seja selvagem,

   e pela urbe, que o Deus não faça algo

   novo. Segue-me com bastão de heras,

   tenta reerguer meu corpo, e eu o teu!

   É feio os dois velhos caírem. Vamos!                       365

   É mister servir Báquio, filho de Zeus.

   Que para tua casa Penteu não importe

   dor, ó Cadmo! Não o digo por prever

   mas por fatos, pois o tolo diz tolices.


[PRIMEIRO ESTÁSIMO (370-431)]

CORO:

   Licitude, Dona Deusa,                                               EST. 1

   Licitude, que na terra                                                 371

   vagas com áureas asas,

   ouves isso de Penteu?

   Ouves essa não lícita

   agressão a Brômio                                                    375

   de Sêmele, Nume

   nos coroados prazeres

   primeiro dos Venturosos?

   Ele faz tíaso dos coros,

   provoca riso na flauta,                                                380

   põe fim às aflições

   quando brilho de uva

   chega à ceia dos Deuses

   e cratera na festa hederígera

   enreda no sono os varões.                                         385

 

   Das bocas desenfreadas                                           ANT. 1

   e da demência insolente

   o fim é o infortúnio,

   mas a vida quieta

   e o pensar bem                                                          390

   resistem intrépidos

   e mantém o lar. Longe,

   porém, habitando o céu

   celestes veem os mortais.

   O hábil não é sábio,                                                   395

   nem ter-se por imortal.

   Breve a vida, por isso

   quem ávido de grandezas

   não colheria o presente?

   Tais são modos de loucos                                          400

   e, a meu ver, de malévolos.

 

   Fosse eu a Chipre,                                                     EST. 2

   a ilha de Afrodite,

   onde moram os Amores

   encantadores de mortais                                             405

   em Pafo que as águas

   de cem bocas

   do rio bárbaro

   fertilizam sem chuva,

   e onde é a belíssima

   Piéria sede de Musas,                                                 410

   solene aclive do Olimpo!

   Lá me leva, ó Brômio, Brômio,

   Baco-Guia, évio Nume,

   lá as Graças, lá o Anseio, lá é lei                                415

   os rituais das Bacas.

 

   O Nume filho de Zeus                                                 ANT. 2

   alegra-se com festas,

   ama a Paz magnificente

   Deusa nutriz de jovens,                                               420

   por igual deu fruir

   indolor prazer do vinho

   ao próspero e ao pobre,

   e odeia quem descuida

   de viver bem a vida                                                     425

   à luz e à noite amiga

   e de manter a mente sábia

   longe de gente soberba.

   O que vulgo pensa e pratica,                                      430

   isso eu aprovaria.


[SEGUNDO EPISÓDIO (434-518)]

CORO:

   Ó filha do rio Aqueloo                                                EST.

   Dona Dirce de belas virgens,                                     520

   tu em tuas águas um dia

   recebeste o filho de Zeus,

   ao tirá-lo do fogo imortal

   na coxa Zeus Pai a gritar:                                          525

   “Vem, Ditirambo, vem

   “ao meu ventre viril!

   “Revelo-te, ó Báquio,

   “a Tebas com este nome.”

   Tu, ó venturosa Dirce,                                                530

   repeles meus coroados

   tíasos ao tê-los em ti?

   Tu me negas? Tu me banes?

   Sim, pela cacheada graça

   da videira de Dioniso,                                                 535

   ainda cuidarás de Brômio!

 

   Quanta, quanta fúria                                                  ANT.

   revela o térreo ser

   nascido de serpente

   Penteu, que o térreo                                                  540

   Equíon plantou, rude

   monstro, não um mortal,

   cruel qual gigante contra Deuses;

   logo nos laços ele me atará                                      545

   serva de Brômio

   e já dentro da casa

   tem meu guia-tíaso

   sob sombrio cárcere.

   Dioniso, filho de Zeus,                                               550

   vês que teus intérpretes

   lutam contra coerção?

   Vem, ó rei que vibras

   áureo tirso no Olimpo!

   Detém cruel transgressor!                                         555

 

   Onde em Nisa nutriz                                                  EPODO

   de feras portas o tirso

   em tíasos, ó Dioniso?

   Ou nos cimos corícios?

   Talvez nos sítios nemorosos                                      560

   do Olimpo, onde Orfeu com a cítara

   reuniu árvores com as Musas,

   reuniu as feras silvestres.

   Ó venturosa Piéria,                                                    565

   venera-te Évio e virá

   com os coros e as baqueias,

   transposto o veloz

   rio Áxio conduzirá

   as loucas rodopiantes,                                               570

   transposto o Lídias pai doador

   de felicidades aos mortais

   e de quem dizem nutrir a terra

   de bons corcéis com belíssimas águas!                    575

 

[TERCEIRO EPISÓDIO (576-861)]

DIONISO:

   Ió,

   ouvi-me, ouvi-me a voz,

   Bacas, Bacas!


CORO:

   Quem? Que clamor de Évio

   me conclamou? Donde?


DIONISO:

   Iò ió digo de novo,                                                     580

   filho de Sêmele e Zeus.


CORO:

   Iò ió! Senhor, Senhor,

   vem ao nosso tíaso,

   ó Brômio, Brômio!


DIONISO:

   Tremor rei, treme térreo chão!                                  585


CORO:

   Â â

   o palácio de Penteu

   logo abalará em queda.

   Dioniso lá no palácio,

   venerai-o. – Veneramos, ó!                                       590

    – Vedes nas colunas pétrea

   arquitrave instável? Brômio

   alarideia dentro do palácio.


DIONISO:

   Acende fúlgido clarão do raio!

   Arde, arde, palácio de Penteu!                                 595


CORO:

   Â â

   não vês o fogo? Perto do sacro

   sepulcro de Sêmele, não refulge

   a chama que deixou, fulminada

   pelo trovão de Zeus?

   Prostrai ao chão, prostrai trêmulos                            600

   corpos, ó loucas,

   pois revirando o palácio

   vem o rei filho de Zeus.

 

DIONISO:

   Mulheres bárbaras tão aturdidas de pavor

   jazeis no chão? Parece percebestes Báquio             605

   abalar o palácio de Penteu, mas erguei-vos!

   Tende coragem, expulsai o tremor do corpo!


CORO:

   Ó luz máxima de nossas évias baqueias,

   com que júbilo te vi, a sós na solidão!


DIONISO:

   Chegastes ao desânimo, sendo eu levado                610

   para cair no sombrio cárcere de Penteu?


CORO:

   Como não? Que defesa eu teria sem ti?

   Mas como te livraste daquele varão ímpio?


DIONISO:

   Salvei-me a mim mesmo fácil sem esforço.


CORO:

   Não te atou as mãos com laços de cordas?               615


DIONISO:

   Ainda o ultrajei, pois crendo me prender

   não tocou nem atou, mas pastou esperanças.

   Viu touro no estábulo onde me levou preso

   e lançava-lhe laços nos joelhos e nos cascos,

   resfolegando furor, pingando suor do corpo               620

   e mordendo os lábios. Perto, eu, presente,

   sentado quieto olhava. O Baco, entretanto,

   veio, sacudiu a casa, e no sepulcro da mãe

   acendeu fogo. Ao ver, crendo a casa arder,

   ele pulava lá e cá, e dizia a servos trazerem              625 

   Aqueloo, e todo servo corria, em faina vã.

   Deixando essa fadiga, como se eu fugira,

   saca faca negra e precipita-se para a casa.

   E Brômio, então, como me parece, opino,

   fez uma visão no pátio, e ele, atacando-a,                  630

   pulava e picava o ar, como se me matasse.

   Além disso, Báquio lhe faz outros danos:

   o palácio ruiu por terra, todo escombros,

   amarga lhe foi minha prisão. Sob o golpe,

   solta a faca e desiste, varão contra Deus                   635

   ousou ir à peleja. Retirando-me quieto,

   vim diante da casa, sem recear Penteu.

   Ao que parece, rangem botas em casa,

   logo virá ao vestíbulo. Que dirá disso?

   Terei paciência, ainda que bufe muito.                        640

   É próprio do sábio sábia benevolência.


PENTEU:

   Terrível dor! Escapou-me o forasteiro,

   que há pouco estava coagido à prisão.

   Éa éa,

   ei-lo aqui! Que é isso? Como defronte                        645

   de minha casa te mostras após evasão?


DIONISO:

   Detém o pé! Impõe à cólera quieto pé!


PENTEU:

   Como escapaste à prisão e saíste fora?


DIONISO:

   Disse que seria solto, ou não ouviste?


PENTEU:

   Quem? Alegas razões sempre novas.                        650


DIONISO:

   Ele frutifica as vinhas para os mortais.


PENTEU:                                                                      [KOVACS]

   Fizeste aí bela reprimenda a Dioniso.


DIONISO:                                                                      [KOVACS]

   Veio aqui a esta urbe cheio de bens.                         [KOVACS]


PENTEU:

   Ordeno fechar toda a torre ao redor!


DIONISO:

   Por quê? Os Deuses não saltam muros?


PENTEU:

   Sábio, sábio, tu! Não em que deves ser!                    655


DIONISO:

   No que mais devo ser, nisso nasci sábio.

   Ouve primeiro aquele lá e toma ciência,

   ele veio do monte para te anunciar algo.

   Nós esperaremos por ti, não fugiremos.


MENSAGEIRO:

   Ó Penteu, o senhor deste solo tebano,                      660

   venho do monte Citéron, onde nunca

   cessa fúlgida queda de brilhante neve.


PENTEU:

   Vens com que empenho de palavra?


MENSAGEIRO:

   Vi Bacas veneráveis que desta terra

   aguilhoadas dispararam a alva perna,                        665

   venho para dizer a ti e à urbe, ó rei,

   que agem terríveis além do espanto.

   Quero ouvir se te devo contar tudo

   aquilo lá, ou se devo coibir a palavra.

   Temo tua rapidez de espírito, ó rei,                             670

   o ímpeto súbito e a maior majestade!


PENTEU:

   Diz, pois terás de mim todo indulto,

   Não se deve enfurecer com o justo.

   Quanto mais digas terríveis Bacas,

   tanto mais levarei à justiça aquele                               675

   que ofereceu as artes às mulheres!


MENSAGEIRO:

   Gregário rebanho de reses na penha

   há pouco remontava ao topo quando

   o Sol expede raios aquecendo o solo

   e vejo três tíasos de femininos coros,                         680

   Autônoe regia o primeiro, e tua mãe

   Agave o segundo, e Ino o terceiro.

   Todas dormiam, largados os corpos,

   umas, encostadas em crina de abeto,

   outras, cabeças em folhas de carvalho                      685

   ao léu no chão, castas, não quais dizes,

   ébrias por cratera e por som de flauta

   isoladas no bosque à caça de Cípris.

   Tua mãe alarideou, erguida no meio

   das Bacas, que se movessem do sono,                     690

   por ouvir mugidos de cornígero gado.

   Elas baniram dos olhos o forte sono,

   saltaram retas, em admirável ordem,

   jovens, velhas e virgens ainda inuptas.

   Primeiro soltaram cabelos aos ombros,                      695

   reataram as peles de corça cujos nós

   se soltaram e cingiram peles pedreses

   com serpentes que lambiam as faces.

   Outras com cabrito ou filhotes bravios

   de lobas nos braços davam alvo leite,                       700

   mães recentes ainda com seios túrgidos,

   deixando os filhos. Elas se coroaram

   de hera, carvalho e florífera briônia.

   Uma delas com o tirso bateu na pedra,

   donde promana úmido fluxo de água;                        705

   outra lançou a férula ao solo da terra

   e o Deus aí desatou a fonte de vinho.

   Quantas desejassem da alva poção,

   ao arranharem com os dedos o solo,

   tinham jatos de leite, e dos hederosos                       710

   tirsos gotejavam pingos de mel doces.

   Assim, se presente visses isso, farias

   preces ao Deus que agora invectivas.

   Vaqueiros e pastores nos reunimos

   em recíproca rixa de falas comuns,                           715

   por serem atos terríveis admiráveis.

   Um vadio da cidade treinado em falar

   disse a todos: “Ó vós dos veneráveis

   “cimos dos montes, quereis cacemos

   “nas baqueias Agave mãe de Penteu                         720

   “e façamos favor ao rei?” Pareceu-nos

   falar bem, e ocultos em tufos de mato

   deitamo-nos à espreita. À hora ritual

   elas sacudiam tirsos a fim da baqueia,

   uníssonas clamando Íaco Brômio filho                       725

   de Zeus, e tudo se fazia Baco: monte

   e feras, e nada era imóvel na corrida.

   Passa Agave correndo perto de mim,

   e dei um salto, querendo capturá-la,

   deixando a moita onde me ocultava.                         730

   Ela gritou: “Minhas velozes cadelas,

   “caçam-nos estes varões! Segui-me!

   “Segui com mãos armadas de tirsos!”

   Nós, pondo-nos em fuga, escapamos

   à laceração das Bacas, que atacaram                      735

   com mãos sem ferro reses no pasto.

   Uma tu verias arrastar com as mãos

   gemente novilha de úberes cheios,

   outras destroçar novilhas laceradas.

   Verias as costelas e bífidos cascos                           740

   arremessados a esmo, e suspensos

   em abetos pingar sangue disperso.

   Touros, brutais de furiosos chifres

   antes, estatelavam o corpo no chão

   levados por mil mãos de donzelas.                            745

   Mais rápido destroçavam as carnes

   que dás pálpebras às régias pupilas.

   Vão quais aves suspensas em voo

   nos campos que junto ao rio Asopo

   produzem frutífera espiga a tebanos,                        750

   atacando Hísias e Éritras, povoados

   no sopé do monte Citéron, viraram

   tudo de alto a baixo como inimigas;

   arrebataram as crianças das casas,

   o que sem atar puseram aos ombros                        755

   mantinha-se e não caía no chão negro,

   nem bronze, nem ferro, e nos cabelos

   tinham fogo e não ardia. Eles, irados,

   corriam às armas, pilhados por Bacas.

   Aí o portento era espetáculo, ó rei!                             760

   Nem dardo pontiagudo nem bronze

   nem ferro sangrava a pele possessa,                        757a [KOVACS]

   mas elas jorrando os tirsos das mãos

   feriam e faziam dar as costas em fuga

   mulheres a varões, não sem um Deus.

   Outra vez foram para donde partiram,                      765

   às fontes mesmas que Deus lhes deu,

   lavaram o sangue, as gotas das faces

   serpes limparam da pele com a língua.

  A este Nume, pois, quem seja, ó rei,

   recebe nesta urbe! Que ele é grande                        770

   noutras e nisto o dizem, o que ouvi,

   deu a dolorífuga vinha aos mortais.

   Se vinho não há mais, não há Cípris

   nem outro prazer dos mortais ainda!


CORO:

   Receio sim dizer as palavras livres                           775

   ao soberano, mas há de se dizer:

   Dioniso é menor que nenhum Deus!


PENTEU:

   Já aqui perto se alastra como fogo

   ultraje de Bacas, injúria aos gregos!

   Mas, sem tardar, vai à porta Electra,                         780

   ordena virem todos os escudeiros

   e os montados em velozes cavalos,

   e quantos vibram peltas e tangem

   cordas de arcos, para combatermos

   Bacas! Não, mas isto é um ultraje,                            785

   sofrer de mulheres o que sofremos!


DIONISO:

   Não atendes ao ouvir a minha fala,

   Penteu! Maltratado por ti, porém, digo

   que não deves erguer arma contra Deus,

   mas ficar quieto. Não permitirá Brômio                      790

   que removas Bacas dos évios montes.


PENTEU:

   Não me instruas, mas preso em fuga

   preserves isso, ou te reaplico justiça.


DIONISO:

  Sacrifícios sim, mas não coices furiosos

  contra aguilhão eu mortal daria ao Deus.                   795


PENTEU:

   Sacrificarei sangue fêmeo por mérito,

   perturbando muito o vale do Citéron.


DIONISO:

   Fugireis todos e eis o vexame: Bacas

   repelir com tirsos escudos de bronze.


PENTEU:

   Eis-nos atados a impossível forasteiro                     800

   que nem batido nem batendo se cala.


DIONISO:

   Ó meu caro, isso ainda tem conserto.


PENTEU:

   Fazendo o quê? Servindo às servas?


DIONISO:

   Eu trarei as mulheres aqui sem armas.


PENTEU:

   Oímoi! Ele já me trama esse dolo!                            805


DIONISO:

   Qual, se te quero salvar com arte?


PENTEU:

   Pactuastes juntos ser Bacos sempre.


DIONISO:

   Sim, isso pactuei, sabe, com o Deus.


PENTEU:

   Trazei-me as armas aqui, e tu cala-te!


DIONISO:

   Â!                                                                                810

   Queres vê-las reunidas na montanha?


PENTEU:

   Muito! Daria dez mil pesos de ouro!


DIONISO:

   O quê! Caíste em grande amor disso!


PENTEU:

   Com tristeza eu as veria, se ébrias.


DIONISO:

   Mas verias com prazer o que te dói?                        815


PENTEU:

   Bem sabe, silente sentado sob abetos.


DIONISO:

   Mas te rastrearão, ainda que oculto.


PENTEU:

   Mas às claras, pois bem o disseste!


DIONISO:

   Devemos te guiar e farás a viagem?


PENTEU:

   Guia o mais rápido! Tempo te nego.                          820


DIONISO:

   Veste o corpo com túnica de bisso!


PENTEU:

   Que é isso? De varão viro mulher?


DIONISO:

   Não te matem, se te virem varão lá.


PENTEU:

   Bem o disseste! Que antigo sábio és!


DIONISO:

   Dioniso nisto foi a nossa inspiração.                         825


PENTEU:

   Como seria o que tu me alertas bem?


DIONISO:

   Em casa, eu prepararei as tuas vestes.


PENTEU:

   Vestes? de mulher? Pudor me impede!


DIONISO:

   Não tens mais ânimo de ver as loucas?


PENTEU:

   Que vestes dizes que porás em mim?                      830


DIONISO:

   Porei longa cabeleira em tua cabeça.


PENTEU:

   Qual a outra figura de meu adorno?


DIONISO:

   Túnicas talares, e mitra na cabeça.


PENTEU:

   Que mais acrescentarás além disso?


DIONISO:

   Tirso na mão, e pele vária de corça.                         835


PENTEU:

   Eu não poderia vestir roupa feminina.


DIONISO:

   Mas farás sangue com guerra a Bacas.


PENTEU:

   Correto, devo ir primeiro à inspeção.


DIONISO:

   É melhor que caçar males com males.


PENTEU:

   E como passarei oculto aos cadmeus?                     840


DIONISO:

   Iremos por vias ermas, serei teu guia.


PENTEU:

   Tudo vale, não rindo de mim Bacas!


DIONISO:

   Em casa, preparemos o que é preciso!                    843a [KOVACS]


PENTEU:

   Espera! Eu deliberarei o que decidir.                        843b [KOVACS]


DIONISO:

   Pode ser, estou disponível para tudo.


PENTEU:

   Eu iria, pois ou marcharei com armas                      845

   ou serei persuadido de teus conselhos.


DIONISO:

   Mulheres, o varão se vai para a rede,                       848

   irá a Bacas, onde morto será punido.                        847

   Dioniso, age agora! Não estás longe.

   Punamo-lo! Primeiro lhe tira o siso                            850

   com leve delírio, porque se prudente

   não quererá vestir roupa de mulher,

   mas, impelido fora de siso, vestirá.

   Quero expô-lo ao riso dos tebanos

   ao ir vestido de mulher pela cidade                           855

   por ameaças em que antes era hábil.

   Mas irei e porei em Penteu o adorno

   com que morto por mãos da mãe irá

   a Hades, e conhecerá o filho de Zeus

   Dioniso manifesto aos homens Deus                         860

   o mais terrível e o mais benevolente.


[TERCEIRO ESTÁSIMO (862-911)]

CORO:

   Ah, nos coros noturnos                                             EST.

   porei o brilhante pé

   na dança de Baco, lançando

   garganta ao céu orvalhado?                                      865

   Como corça a brincar nos

   verdes prazeres do prado

   quando escapa à pavorosa

   caçada, livre da matilha,

   além das bem urdidas redes,                                     870

   e o caçador a açular

   se vai na corrida dos cães?

   Ela no afã do curso veloz

   de procela corre a planície

   à beira do rio, jubilosa

   longe de mortais entre brotos                                    875

   da sombria floresta frondosa.

  

   Que é hábil? Qual mais belo

   prêmio dos Deuses aos mortais

   do que ter o braço mais forte

   sobre a cabeça dos inimigos?                                   880

   O que é belo é sempre nosso.

 

   Move-se a custo, mas                                                ANT.

   confiável a força

   divina: acerta mortais

   que honram ignorância                                               885

   e não louvam Deuses

   por louca opinião.

   Oculta com astúcia

   o longo pé do tempo

   e dá caça ao ímpio.                                                    890

   Não acima das leis

   cabe saber e fazer.

   Custa pouco pensar

   que força tem isto:

   o que for numinoso,

   a lei de longo tempo                                                   895

   e o sempre manifesto.

 

   Que é hábil? Qual mais belo

   prêmio dos Deuses aos mortais

   do que ter o braço mais forte

   sobre a cabeça dos inimigos?                                    900

   O que é belo é sempre nosso.

 

   Tem bom Nume quem escapa                                    EPODO

   à tormenta do mar até o porto.

   Tem bom Nume quem vence

   males: cada vez um ao outro                                     905

   supera em poder e fausto.

   Muitos varões ainda têm

   muitas esperanças: umas

   com fausto se cumprem

   aos mortais, outras, não.                                            910

   Quem cada dia tem vida

   com bom Nume, felicito.


[QUARTO EPISÓDIO (912-976)]

DIONISO:

   Tu, que anseias ver o que não deves,

   e te prestas ao imprestável, Penteu,

   vem para a frente da casa! Aparece-me

   com os trajes de mulher louca Baca,                          915

   espião visado da tua mãe e da tropa!

   Tens forma de uma filha de Cadmo.


PENTEU:

   Parece-me, sim, que vejo dois sóis

   e duas Tebas, cidadela de sete portas,

   e parece que touro nos guias à frente,                       920

   e que chifres surgiram em teu crânio.

   Mas tu afinal eras fera? Pois és touro!


DIONISO:

   O Deus vem junto, antes não benévolo,

   aliou-se a nós, agora vês o que deves.


PENTEU:

   Que te pareço? Ter o porte de Ino?                          925

   Ou ter o porte de minha mãe Agave?


DIONISO:

   Creio que as vejo, quando te vejo.

   Mas tens este cabelo fora do lugar,

   não como eu o arranjei sob a mitra.


PENTEU:

   Em casa lançando-o adiante e atrás                         930

   dançando a Baco eu o tirei do lugar.


DIONISO:

   Mas nós incumbidos de te servir

   refaremos isso. Ergue a cabeça!


PENTEU:

   Eis, adorna! A ti nos entregamos.


DIONISO:

   Teu cinto se solta e a série de dobras                       935

   da túnica não vai até teus tornozelos.


PENTEU:

   Assim me parece junto ao pé direito.

   Deste lado junto ao tendão está reta.


DIONISO:

   Talvez me julgues teu maior amigo

   ao vires não esperadas castas Bacas.                      940


PENTEU:

   Com o tirso na mão direita ou nesta

   eu  ficarei mais parecido com Baca?


DIONISO:

   Na destra deves erguê-lo e o pé direito

   simultâneo. Louvo tua mudança de ânimo.


PENTEU:

   Ah, eu poderia trazer o vale do Citéron                    945

   com as Bacas mesmas nos meus ombros?


DIONISO:

   Poderias, se quisesses. Antes não tinhas

   ânimo são, agora o tens qual deves ter.


PENTEU:

   Levemos alavancas, ou passo o braço

   ou ombro sob picos e ponho nas mãos?                   950


DIONISO:

   Não deves destruir templos de Ninfas

   nem santuários de Pã onde toca flauta.


PENTEU:

   Bem disseste! Não se vençam mulheres

   pela força. Eu me ocultarei nos abetos.


DIONISO:

   Ocultarás ocultação que deves ocultar                     955

   ao ires doloso espião visado de Loucas.


PENTEU:

   Sim, penso que quais aves no ninho

   estão elas em seus enlaces do leito.


DIONISO:

   Não te vais por isso mesmo vigilante?

   Talvez as pegues se não te pegam antes.                960


PENTEU:

   Leva-me pelo meio da terra tebana,

   sou deles o único varão a ousar isto.


DIONISO:

   Único sofres tu por esta urbe, único.

   Combates te esperam quais deviam.

   Mas segue, sou eu guia salvador,                             965

   de lá outro te levará...


PENTEU:

                                       Minha mãe.


DIONISO:

    Serás sinal a todos.


PENTEU:

                                       Por isso vou.


DIONISO:

    Trazido virás...


PENTEU:

                                  Dizes-me delícia.


DIONISO:

   Nas mãos da mãe.


PENTEU:

                                 A mimos me obrigas.


DIONISO:

   Tais mimos sim.


PENTEU:

                                 Méritos me cabem.                     970


DIONISO:

   Terrível tu terrível vais a terríveis dores,

   tais que descobrirás glória a tocar o céu.

   Estende as mãos, Agave, e vós, irmãs

   filhas de Cadmo! Conduzo este moço

   ao grande combate, o vencedor serei                       975

   e Brômio será, o restante o mostrará.





[QUARTO ESTÁSIMO (977-1023)]

CORO:

   Ide, ágeis cadelas de Fúria, ao monte                       EST.

   onde as filhas de Cadmo têm o tíaso!

   Ide, instigai-as

   contra quem se veste de mulher                               980

   furioso espião visado de loucas!

   A mãe, primeiro, de pedra lisa

   ou de pináculo o verá

   espreitar e dirá às loucas:

   “Quem à caça de montívagas cadmeias                   985

   “ao monte, ao monte veio, veio, ó Bacas?

   “Ah, quem o pariu?

   “Ele não nasceu do sangue

   “de mulheres, mas de leoa                                        990

   “ou filho de Górgonas líbias!”

 

   Vá Justiça visível,

   vá com faca matar

   através da garganta

   o sem Deus nem lei nem justiça                                995

   rebento terrígeno de Equíon.

 

   Com injusto intento e insólita ira                               ANT.

   a rituais teus e de tua mãe, ó Baco,                         [KOVACS]

   ele com ânimo louco

   e aturdido senso investe                                           1000

   para vencer à força o invencível.

   Morte implacável torna o intento

   cauto com os Deuses

   e ter-se mortal dá viver sem dor.

   Não invejo o hábil, praz-me                                      1005

   caçar outros relevos visíveis

   sempre do belo na vida,

   para dia e noite venerar

   reverente e repelindo leis

   injustas honrar os Deuses.                                       1010

 

   Vá Justiça visível,

   vá com a faca matar

   através da garganta

   o sem Deus nem lei nem justiça                              1015

   rebento terrígeno de Equíon.

 

   Mostra-te touro ou visível                                         EPODO

   serpente de muitas cabeças

   ou leão rutilante! Ide, ó Baco,

   feroz ao caçador de Bacas!                                      1020

   Lança com rosto risonho

   rede mortífera nesse caído

  sob o rebanho de loucas!


[QUINTO EPISÓDIO (1024-1152)]

MENSAGEIRO:

   Ó casa, antes com boa sorte na Grécia,

   do ancião sidônio que na terra semeou                   1025

   a messe terrígena da víbora serpente,

   como te lamento, sendo servo! Porém

   servos honestos têm a sorte dos donos.


CORO:

   Que é? Trazes uma notícia das Bacas?


MENSAGEIRO:

   Morreu Penteu, o filho de pai Equíon.                      1030


CORO:

   Ó rei Brômio, grande Deus te mostras!


MENSAGEIRO:

   Que dizes? Que disseste? Alegras-te

   se meus donos se dão mal, ó mulher?


CORO:

   Celebro Évio forasteira em voz bárbara.

   Não me curvo mais de medo de cadeia.                  1035


MENSAGEIRO:

   Consideras Tebas tão sem varões?


CORO:

   Dioniso, Dioniso, não Tebas,

   tem poder sobre mim.


MENSAGEIRO:

   Pode-se perdoar-te, mas alegrar-se

   com males não é belo, ó mulheres!                          1040


CORO:

   Diz-me! Fala! De que morte morre

   varão injusto provedor de injustiça?


MENSAGEIRO:

   Deixando as casas da terra tebana

   e passando pelas águas do Asopo,

   alcançamos as alturas do Citéron                            1045

   Penteu e eu, pois eu seguia o dono,

   e o forasteiro, nosso guia de viagem.

   Primeiro sentamos no vale relvoso

   conservando o silêncio dos passos

   e voz para vermos sem ser vistos.                           1050

   Era vale cercado, provido de água,

   à sombra de pinhos, onde as loucas

   sentadas têm mãos em doces fainas.

   Umas delas coroavam tirso extinto

   de novo com a cabeleira de heras,                          1055

   outras alternavam melodia báquica,

   quais potras soltas de jugos vários.

   Pobre Penteu, sem ver turba fêmea,

   disse: “Ó forasteiro, onde estamos

   “não avistamos mazelas de loucas!                         1060

   “Sobre abeto frondoso das escarpas

  “talvez bem visse vilezas de loucas.”

   Aí já vejo os milagres do forasteiro:

   pegando ramo de abeto alto no céu

   trouxe, trouxe, trouxe ao chão negro                       1065

   e curva-o tal qual arco ou curva roda

   traçando em torno curvilíneo círculo,

   assim o forasteiro dobrou nas mãos

   o talo montês à terra, feito imortal.

   Instalou Penteu no ramo de abeto                           1070

   e solta das mãos o galho reto acima

   sem abalo para que não derrubasse

   e reto se firmou no firmamento reto

   mantendo o dono montado no dorso.

   Mas foi visto antes de ver as loucas.                       1075

   Ainda não era visível sentado no alto

   e já não se avistava mais o forasteiro

   e uma voz no firmamento, Dioniso,

   ao que parece, retumbou: “Ó moças,

   “trago-vos quem ria de vós, de mim                         1080

   “e de meus rituais! Vingai-vos nele!”

   Ele assim falava e no céu e na terra

   expandia-se a luz de venerando fogo.

   Silente o céu, silente o vale silvestre

   frondoso, não se ouvia grito de feras.                       1085

   Elas, sem terem ouvido claro o som,

   pararam eretas e moveram as pupilas.

   Ele clamou outra vez: reconhecendo

   claro clamor de Báquio as cadmeias

   pularam com pés na corrida intensa                         1090

   não menos velozes do que pombas,

   a mãe Agave e as congêneres irmãs

   e todas as Bacas, e loucas saltavam

   vale hiemal e picos ao sopro de Deus.

   Ao virem meu dono montado no abeto,                    1095

   primeiro lhe lançaram seixos violentos

   pisando sobre pedra como numa torre,

   e dardejavam com os ramos de abeto,

   outras lançavam tirsos ao firmamento,

   a Penteu, mísero alvo, mas sem acertar.                  1100

   Em altura superior à força do impulso

   estava o mísero, entregue ao impasse.

   Por fim cavando com ramos de carvalho,

   arrancaram raízes com estacas sem ferro.

   Por não concluírem o término das fainas,                  1105

   disse Agave: “Vinde! Circundai ao redor,

   “pegai o tronco, ó loucas, que prendamos

   “a fera empoleirada e não delate divinos

   “coros secretos!” Elas puseram milhares

   de mãos no abeto e arrancaram do chão.                  1110

   Sentado no alto, lançado do alto ao solo,

   caiu por terra com milhares de gemidos

   Penteu, pois já perto do mal aprendia.

   Primeiro a mãe sacerdota inicia matança

   e ataca-o, ele retira a mitra da cabeleira                    1115

   para que Agave mísera o reconhecesse

   e não matasse, e ele tocando-lhe a face

   diz: “Sou eu, mãe, olha, sou o teu filho

   “Penteu, que pariste na casa de Equíon.

   “Apieda-te de mim, ó mãe, e por meus                      1120

   “desacertos, não massacres o teu filho!”

   Ela, soltando espuma e girando pupilas

   viradas, sem pensar o que devia pensar,

   era possessa de Báquio. Não persuadiu.

   Tomando nas mãos o braço esquerdo                       1125

   e pisando os flancos do de mau Nume,

   arrancou a espádua, não por ter força,

   mas o Deus dava facilidade às mãos.

   Ino por outro lado completava o ato

   rasgando carnes, Autônoe e a turba                           1130

   de Bacas toda atacava, uníssona grita,

   ele a gemer tanto quanto tinha fôlego,

   elas a aclamar. Uma trazia um braço,

   outra o pé na bota, e flancos lacerados

   se desnudavam, e as mãos sangrentas                     1135

   jogavam bola com a carne de Penteu.

   Jaz disperso o corpo, ora em abruptas

   pedras, ora na densa crina silvestre,

   não fácil de achar. A cabeça é prêmio

   que a mãe por acaso recebe nas mãos,                     1140

   finca na ponta do tirso como a de leão

   montês e transporta em meio a Citéron,

   deixando as irmãs nos coros de loucas.

   Adianta-se, alardeando infausta caçada,

   dentro destes muros, invocando Báquio                     1145

   o parceiro de caça, o coautor da captura,

   o belo vencedor. Sua vitória trará pranto.

   Eu, pois, desembaraçado desta situação,

   partirei antes de Agave chegar em casa.

   A prudência e a veneração dos Deuses                      1150

   é o melhor, e creio que é a mais sábia

   aquisição para os mortais ter em uso.


[QUINTO ESTÁSIMO (1153-1164)]

CORO:

   Dancemos exaltando Báquio,

   gritemos exaltando a sorte

   de Penteu filho de serpente,                                        1155

   ele vestiu trajes de mulher

   e teve por belo tirso

   o fiel báculo de Hades,

   com o touro a guiar a sorte.

   Bacas cadmeias, ínclita                                                1160

   bela vitória conquistastes

   para gemidos e prantos.

   Belo combate, mão sangrenta

   lançar no sangue do filho!


[ÊXODO (1165-1392)]

CORO:

   Mas vejo que Agave mãe de Penteu                           1165

   vem para casa com os olhos tortos.

   Recebei-a na festa do Deus Évio!


AGAVE:

   Ásias Bacas...


CORO:

  

                          Por que me chamas?                            EST.


AGAVE:

   Trazemos dos montes

   cacho recém-cortado para casa,                                  1170

   venturosa caçada.


CORO:

   Vejo e te recebo na festa.


AGAVE:

   Agarrei sem redes

   este jovem filhote

   como se pode ver.                                                       1175


CORO:

   Em qual ermo?


AGAVE:

   Citéron...


CORO:

                    Citéron?


AGAVE:

    ... o massacrou.


CORO:

   Quem golpeou?


AGAVE:

                              Meu o primeiro prêmio,

   venturosa Agave nos gloriam nos tíasos!                  1180


CORO:

   Quem mais?


AGAVE:

                         As de Cadmo...


CORO:

   De Cadmo quê?


AGAVE:

                                As filhas de Cadmo

   após mim, após mim, tocaram a fera.

   Que boa sorte nesta caçada!

 

   Participa da festa!


CORO:

                                  Que participo, mísera?               ANT.


AGAVE:

   O vitelo é jovem, sob                                                 1185

   cabeça de crina macia

   queixo agora floresce.


CORO:

   Crina brilha qual fera agreste.


AGAVE:

    O Báquio caçador

    sábio sabiamente atiçou                                           1190

    as loucas a esta fera.


CORO:

   Pois o rei é predador!


AGAVE:

   Louvas?


CORO:

                    Louvo.


AGAVE:

    Logo os cadmeus...


CORO:

   E seu filho Penteu...


AGAVE:

                                 ...louvarão a mãe                          1195

   por esta caçada leonina.


CORO:

   Magnífica.


AGAVE:

                      Magnificamente.


CORO:

   Celebras?


AGAVE:

                          Jubilosa!

    Grandes, grandes feitos

    manifestos nesta caçada!


CORO:

    Ó audaz, mostra aos cidadãos                                 1200

    a vitoriosa caça que trouxeste!


AGAVE:

   Ó habitantes da cidade de belas torres

   da terra tebana, vinde, vede esta caça

   fera que nós, filhas de Cadmo, caçamos,

   nem com encordoados dardos tessálios,                   1205

   nem com redes, mas com as pontas

   das mãos de alvos braços. Convém

   dardejar e de artesãos ter lanças vãs?

   Nós com as mãos mesmas pegamos

   e despedaçamos as junções da fera.                         1210

   Onde está o velho pai? Venha perto!

   Penteu meu filho onde está? Pegue

   e erga em casa graus de escada sólida

   para pregar nos tríglifos esta cabeça

   do leão que cacei e eis-me presente.                         1215


CADMO:

   Segui-me, portadores do mísero peso

   de Penteu, segui, servos, diante de casa,

   onde com mil buscas de fadigas porto

   o corpo, encontrado no vale do Citéron,

   disperso, não colhido no mesmo lugar,                      1220

   difícil de descobrir jacente no bosque.

   Ouvi de alguém as ousadias das filhas,

   já quando dentro dos muros da cidade,

   com o velho Tirésias, vindo das Bacas.

   Tendo retornado ao monte, transporto                       1225

   o filho que foi massacrado por loucas.

   Vi aquela que outrora gerou Actéon

   para Aristeu, Autónoe e, junto, Ino,

   entre carvalhos míseras aguilhoadas.

   Disseram-me que para cá veio Agave                        1230

   com pé báquico e não ouvimos inépcia,

   pois vejo-a, visão não de bom Nume.


AGAVE:

   Pai, tu podes fazer o máximo alarde,

   por semear as filhas muito melhores

   dos mortais, todas e, máxime, a mim                         1235

   que deixei a lançadeira junto ao tear

   e faço mais, caçar feras com as mãos.

   Peguei e porto nos braços, como vês,

   este galardão, para que se dependure

   em casa. Ó pai, toma-o tu nos braços,                       1240

   e com todo o orgulho de minha caça,

   convida os amigos à festa! Venturoso,

   venturoso és tu, tais as nossas proezas.


CADMO:

   Ó dor imensa e impossível de ver,

   morte em míseras mãos, tais proezas!                       1245

   Por abateres bela vítima aos Numes,

   convidas Tebas e a mim para festa!

   Oímoi, por teus e por meus males!

   Com justiça, mas excessiva, o Deus

   Brômio rei, o de casa, nos destruiu.                            1250


AGAVE:

   Que intratável é a velhice aos mortais

   e sombria aos olhos! Fosse meu filho

   bom caçador, símil à mãe nos modos,

   quando junto com os moços tebanos

   caçasse feras! Mas só combater Deus                       1255

   ele sabe! Ó pai, teu dever é adverti-lo!

   Quem o chamaria aqui à minha vista,

   para que me visse, a de bom Nume?


CADMO:

   Pheû! Pheû! Cientes do que fizestes,

   tereis terrível dor. Se permanecerdes                         1260

   sempre completamente como estais,

   sem boa sorte pensareis não ter má.


AGAVE:

   O que aqui não está bem? Que dói?


CADMO:

   Primeiro, lança o olhar para o céu!


AGAVE:

   Eis! Por que me sugeriste que olhe?                         1265


CADMO:

   Ainda te parece o mesmo ou outro?


AGAVE:

   Brilha mais que antes e mais límpido.


CADMO:

   Ainda tens o aturdimento da mente?


AGAVE:

   Não sei que dizes, torno-me lúcida

   por mudança do espírito anterior.                              1270


CADMO:

   Ouvirias e responderias algo claro?


AGAVE:

   Esqueci o que antes dissemos, pai!


CADMO:

   A que casa foste após o himeneu?


AGAVE:

   Deste-me a Equíon, dito semeado.


CADMO:

   Que filho em casa deste ao esposo?                        1275


AGAVE:

   Penteu, por união minha e do pai.


CADMO:

   Tens nas mãos esse rosto: de quem?


AGAVE:

   De leão, assim diziam as caçadoras.


CADMO:

   Olha direito! Custa pouco observar.


AGAVE:

   Ea! Que vejo? Que tenho nas mãos?                      1280


CADMO:

   Examina e aprende mais claramente!


AGAVE:

   Vejo a máxima dor, mísera de mim!


CADMO:

   Será que te parece semelhante a leão?


AGAVE:

   Não! Mísera tenho o rosto de Penteu!


CADMO:

   Pranteado antes que o reconhecesses.                    1285


AGAVE:

   Quem o matou? Como me veio às mãos?


CADMO:

   Triste verdade, que não vieste a tempo!


AGAVE:

   Diz! Meu coração está sobressaltado.


CADMO:

   És tu quem o matou, tu e tuas irmãs.


AGAVE:

    Onde morreu? Em casa? Em que sítio?                  1290


CADMO:

    Onde antes cães dilaceraram Actéon.


AGAVE:

    Por que de mau Nume foi ao Citéron?


CADMO:

    Indo escarnecia Deus e tuas baqueias.


AGAVE:

   Como fomos parar lá naquele lugar?


CADMO:

   Fostes loucas e toda a urbe debacou.                      1295


AGAVE:

   Dioniso nos destruiu, já compreendo.


CADMO:

   Ultrajado. Deus não o consideráveis.


AGAVE:

   Onde meu caro corpo do filho, pai?


CADMO:

   Eu a custo o encontrei e transporto.


AGAVE:

   Está todo bem juntado nas junções?                         1300

  <                                                            >

  <                                                            >

  <                                                            >


AGAVE:

    Que teve Penteu de minha demência?


CADMO:

   Era símil a vós por não venerar Deus.

   Por isso atou a todos em um só dano,

   a vós e a ele, de modo a destruir a casa

   e a mim, que privado de filhos varões                        1305

   vejo este filho de teu ventre, ó mísera,

   morrer do modo mais reles e mais vil.

   Ó filho, foste a luz da casa, mantinhas

   meu palácio, filho nato de minha filha,

   na urbe eras temido: ninguém queria                        1310

   ultrajar o velho, ao avistar o teu vulto,

   porque dignamente tomavas a justiça.

   Agora sem honra serei banido da casa,

   o grande Cadmo, que semeei a estirpe

   dos tebanos e colhi a mais bela messe.                    1315

   Ó meu caro (ainda que não mais vivo,

   serás contado entre os meus caros) filho,

   não mais tocando esta barba com a mão,

   chamando “pai da mãe”, abraçarás, filho,

   dizendo: “Que injusto te desonra, velho?                  1320

   “Quem aborrece e perturba teu coração

   “Diz, para eu punir quem injusto, ó pai.”

   Agora mísero sou eu, miseranda és tu,

   a mãe na miséria, e miserandas irmãs.

   Se há quem se creia acima dos Numes,                    1325

   veja a morte dele e respeite os Deuses!


CORO:

   Sinto por ti, Cadmo! O filho de tua filha

   tem justiça digna, mas dolorosa para ti.


AGAVE:

   Ó pai, vês que mudança em minha vida?

   <                                                           >

   <                                                           >

   <                                                           >


DIONISO:

  <                                                            >

  <                                                            >

   Serpente serás por mudança e tua esposa                1330

   mudada em fera terá a forma de víbora.

   Tu mortal obtiveste Harmonia de Ares.

   Como diz oráculo de Zeus, conduzirás

   com ela carro de bois, guiando bárbaros,

   e com inúmera tropa devastarás muitas                    1335

   urbes, e quando destruírem o santuário

   de Lóxias, suportarão acerbo retorno,

   e Ares te defenderá, a ti e a Harmonia,

   e porá tua vida na terra dos venturosos.

   Eu, Dioniso, o digo, não de pai mortal                       1340

   nascido, mas de Zeus. Se vós tivésseis

   prudência, quando não queríeis, teríeis

   bom Nume com o aliado filho de Zeus.


CADMO:

   Dioniso, suplicamos-te, fomos injustos!


DIONISO:

   Tarde nos vedes, não víeis quando devíeis.              1345

CADMO:

   Reconhecemos, mas teu ataque é violento.


DIONISO:

   Deus nato fui ultrajado também por vós.


CADMO:

   Ira não deve semelhar Deuses a mortais.


DIONISO:

   Outrora Zeus o meu pai assim inspirou.


AGAVE:

    Aiaî! Decretados tristes exílios, velho!                      1350


DIONISO:

   Por que ainda hesitais ante o necessário?


CADMO:

   Ó filha, a que terrível mal viemos nós

   todos, miseranda és tu e as tuas irmãs,

   e miserando eu suplicarei aos bárbaros,

   velho forasteiro, e ainda é meu vaticínio                   1355

   guiar tropa mista de bárbaros à Grécia.

   Minha esposa Harmonia, filha de Ares,

   em forma de fera serpente, eu serpente

   guiarei contra altares e túmulos gregos,

   levando lanças. Mísero não darei fim                        1360

   a meus males, nem navegarei precípite

   Aqueronte nem alcançarei a quietude.


AGAVE:

   Ó pai, eu afastada de ti serei banida!


CADMO:

   Por que me abraças, ó mísera filha,

   qual ave cisne ao grisalho zangão?                          1365


AGAVE:

   Para onde devo ir, expulsa da pátria?


CADMO:

   Não sei, filha! Vale pouco o pai.


AGAVE:

   Salve, ó palácio! Salve, ó urbe

   pátria! Por má sorte, partirei,

   banida de casa.                                                         1370


CADMO:

   Vai, ó filha, ao de Aristeu

   <                                        >.


AGAVE:

   Lamento por ti, ó pai!


CADMO:

                                         Ó filha,

   eu pranteio por ti e tuas irmãs!


AGAVE:

   Terrível esta afronta

   o rei Dioniso                                                               1375

   inflige a tua casa.


CADMO:

   Ele sofria de nós ultrajes terríveis

   com o nome sem honra em Tebas!


AGAVE:

   Salve, meu pai!


CADMO:

                              Salve, ó mísera

   filha! Difícil te seria este salve!                                  1380


AGAVE:

   Conduzi-me às irmãs, ó servas, 

   para irmos junto a triste exílio!

   Possa eu ir aonde nem

   Citéron impuro me veja,

   nem eu aviste o Citéron,                                           1385

   nem haja memória de tirso!

   Outras Bacas dele cuidem!

 

CORO:

   Muitas são as formas dos Numes,

   muitos atos inopinados de Deuses

   e as expectativas não se cumprem                           1390

   e dos inesperados Deus vê saída.

   Assim é que aconteceu este fato.

 

 

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