Por Guilherme Gontijo Flores
Resumo: Apresento aqui um primeiro esforço de tradução poética em língua portuguesa de cantigas iorubanas para o orixá Exu. São versões que buscam recriar as tópicas, fórmulas e jogos sonoros das cantigas, ao mesmo tempo em que vivam nas melodias com que são cantadas hoje no Brasil.
Palavras-chave: Tradução poética; Performance musical; Exu.
Agora, se eu fosse dizer quem é Exu: Exu sou eu! com 78 anos. Nasci em 1931, em uma encruzilhada, ao meio dia de uma terça-feira. Na fome porque minha mãe foi pescar no rio, porque não tinha o que comer e, ali dentro, a bolsa de água quebrou e, aí eu comecei a nascer. Ela saiu prendendo as pernas. Fez uma revolução no lugar! E todo mundo: Do Carmo está parindo, o que é isso? E uma senhora africana veio correndo com vários trapos para me aparar. Já nasci. Então, eu, eu sou Exu! […]
É o que mais me emociona na minha vida: falar de Exu. Exu é meu riso, é minha lágrima, é minha insônia. É tudo o que eu trabalhei. É tudo o que eu adquiri. As amizades que tenho. Tudo.
Mãe Beata de Iemanjá (no documentário Boca do mundo)
Exu ê Mojubá. Este pequeno trabalho é, na verdade, parte de um projeto um pouco maior que venho desenvolvendo no último ano. Há poucos anos atrás, eu e Rodrigo Gonçalves traduzimos “The Raven” de Edgar Allan Poe como “O Urubu” e intitulamos o projeto de “tradução-exu” (Flores & Gonçalves, 2017), um termo que brevemente tentava compreender o processo de metamorfose crítica que queríamos ali realizar na transformação de um raven-corvo num urubu brasileiríssimo, que ainda por cima recusava a metafísica transcendental do pós-morte anunciado no never more com uma resposta mais dolorosa, igualmente rimada e de sons sombrios: “no teu cu” é o que responde o urubu, que assim pode ser lido também como resposta da cultura dos escravos aos dilemas espirituais e uma casta de senhores. A associação do urubu com Exu aparece numa cantiga com ponto de Exu Mulambo, na umbanda:
Exu Mulambo é maroto,
Só olha pra moça bela.
Com uma garrafa de oti
Fica chamando da janela.
Ele é Seu Mulambo, é um exu,
Seu fetiche leva pena de urubu. (bis)
(Cantigas de umbanda e candomblé, 2011: 310)
Mas não é na mera presença do urubu que se firma a tradução-exu ali proposta. O dilema maior parece ser ainda o de reconhecer na tradução um germe de metamorfose inacabada que precisa se desdobrar no campo da diferença como experimento. Isto é, a tradução não pode se conter num modelo pré-estabelecido do que é aceitável ou não sob seu rótulo; pelo contrário, é o limite da experiência que determina, em cada caso, até onde vai a tradução. Exu, nesse sentido, talvez seja mesmo uma metáfora funcional: orixá das mediações (ele próprio comparável, a imensa distância, ao Hermes-Mercúrio greco-romano[1]) e também do logro, desviador de sentidos, contorcionsta que só assim permite mediações. Sua própria definição é instável e demanda a mediação de corpos num rito. A tradução não pode se pensar fora de um corpo, nem pode se restringir à metáfora da condução, de um caminhão de mudanças. O que ela leva é a mutação.
Isso me faz voltar ao conceito que cunhei há mais de década, quando escrevia meu trabalho de mestrado sobre as Elegias de Sexto Propércio (Flores, 2014): à época, sugeri que toda tradução poética (e por poética entendo toda tradução que se recusa à pura semântica) teria de ser uma diversão tradutória. Diversão, aqui, em seu equívoco etimológico, derivada do verbo diuertere em latim: por um lado, a produção de um prazer (nossa acepção moderna de “divertimento”), que precisa encontrar um corpo baixo no tradutor e no público, força da estese; por outro, um procedimento de afastamento, de divergência em relação tanto ao original quanto às outras traduções. Uma instância não pode se dar sem a outra. Em algum nível, podemos falar da tradução como uma transfusão, tal como pensa Tiganá Santana Neves dos Santos:
Se tradução (nsekola) é transfusão (nsekola), que líquido (nkukula) passa de um recipiente a outro? Zamenga B. lembra-nos dos líquidos enquanto símbolos e forças vitais para os bakongo. Entre os líquidos sagrados, poderíamos, simbolicamente, pensar na saliva (mete), representação kongo de ‘reconciliação’. Traduzimos para nos re-conciliar — pois é inevitável e incessante o encontro com as alteridades que nos iludem e desiludem na nossa experiência com o real (tudo o que temos). A saliva é, também, muco, humor que materializa a fala, a língua falada, a linguagem narrada. Transfundimos narrativas (com as suas pausas-morte), e, no ato presente e posterior à transfusão, narramos nós mesmos. São narrativas a partir narrativas. Pontos de partida engrenados por outros pontos de partida. Assim, o que é (e permanece), necessariamente, distinto se funde. (2019: 184)
Ou seja, é por um encontro sempre divergente e corporal que essa transfusão se dá sem necessariamente ser um esgotamento do que se traduz. Logo na sequência, Santana conclui: “Evidentemente, a transfusão não esvazia as obras originais dos seus líquidos. Desdobra-os, fertiliza-os, renova-os e faz com que circulem, de outro modo, por outras veias, artérias e bocas.” Nesse sentido o toque de corpos que se desdobram em novas narrativas pode re-conciliar, mas não só numa ideia de harmonia estática, e sim por um processo complexo de fertilização. Tal como um Exu brincante que ao mesmo tempo media e distorce, assume e confunde seu cavalo[2], a diversão tradutória recusa qualquer melancolia das perdas e aposta suas fichas na diferença como produção de estese. Ela é assim deriva crítica, e não pode ser parada em suas metamorfoses até que o campo seja experimentado num corpo. Exu, não à toa, é chamado muitas vezes de Enugbarijo, a boca coletiva que tudo fala, anunciando a tábua divinatória de opon-ifá e seus vínculos com o saber oracular. No candomblé do Brasil, por exemplo, o jogo de Ifá é feito com búzios e regido por Exu. Afirma Monique Augras:
a iaô recebe, no decorrer da iniciação, um pote que contém o seu Bara pessoal [Exu regente do corpo individual], ou seja, o símbolo do seu próprio destino. É nesse pote que são conservados os 21 cauris que lhe correspondem, por ser 21 o número simbólico de Exu, senhor do poder de transformação: um búzio representa o próprio Exu Oxetuá, o guardião, o Grande Transformador; quatro cauris correspondem aos quatro elementos fundamentais; os dezesseis restantes representam as mesmas figuras que comparecem no oráculo de Ifá. (2008: 202)
Porém a boca que tudo fala também é a que mais engana. É um tensionamento entre o dom do engano e seus vínculos com o desvelamento do oráculo, presente num dos mitos:
Como se explica a grande amizade entre Orunmilá e Exu,
visto que eles são opostos em muitos aspectos?
Orunmilá, filho mais velho de Olorum, foi quem trouxe aos humanos
o conhecimento do destino pelos búzios.
Exu, pelo contrário, sempre se esforçou
para criar mal-entendidos e rupturas,
tanto aos humanos como aos orixás.
Orunmilá era calmo e Exu, quente como o fogo.
Mediante o uso de conchas adivinhas,
Orunmilá revelava aos homens as intenções do supremo deus Olorum
e os significados do destino.
Orunmilá aplainava os caminhos para os humanos,
enquanto Exu os emboscava na estrada
e fazia incertas todas as coisas.
O caráter de Orunmilá era o destino, o de Exu, o acidente.
Mesmo assim ficaram amigos íntimos.
[…]
(Prandi, 2001: 76, cf. também Courlander, 1973: 59-62)
Não se trata de simples dicotomia entre um princípio do bem e da ordem contra outro do mal e da desordem; seria muito simplório opor os oráculos de Ifá e de Exu, quando os dois estão presentes em toda arte divinatória, o que fica ainda mais claro com a presença de Exu Elebó, o portador de oferendas para todos os Orixás e para a realização dos oráculos. Na verdade, mais do que mero enganador que contraria a verdade, Exu-Legbá é “a um só tempo ‘oficial de polícia’, ‘carrasco’ e ‘agente provocador’” (Capone, 2014: 56); assim, Legbá “é para as divindades e para Fá o que a sombra é para a pessoa, a frente é para o verso” (Maupoil, 2017: 98). Em outras palavras: o mensageiro do destino é o acidente, a boca que tudo engole e fala. Laroiê Exu. São as cantigas desse senhor do equívoco que desejo traduzir, para em outro momento pensar melhor a “tradução-exu”.
Apesar de desconhecer as línguas africanas em jogo, me arrisquei a retraduzir algumas cantigas que apresentavam tradução mais semântica ao português, como um experimento de corpo e ouvido. Sempre que possível, busquei gravações de cada canto, para perceber seus tambores vivos e suas entonações rítmicas[3]. São traduções poéticas proporcionalmente comportadas, portanto distantes do que busquei pensar como tradução-exu; ainda assim é impossível não reconhecer a dívida que trago com as obras seminais de Antônio Risério, Textos e tribos (1993) e Oriki Orixá (1996), para pensar o processo tradutório de poéticas extraocidentais sem relegá-lo exclusivamente ao interesse antropológico e social. Risério mostrou e fez a força da poesia dos orikis aparecer, para um público mais amplo, como “uma poética capaz de alimentar de algum modo a produção contemporânea” (1996: 19), longe de ser uma relíquia retirada de um escombro já perdido. É o que vemos nos dois orikis de Exu por ele traduzidos:
Oriki de Exu 1
Se Exu entra numa terraEle já entra em pé de guerra.
A chuva que gela um egum
Não se atreve a cruzar o fogo.
Molha o fantasma encharcado.
Exu vai com a peneira
Comprar azeite no mercado.
Exu que empurra sem dó
Gente que se bate com medo.
Ele bate no elebóQue não faz o bom ebó.
Grita para que a criseSe espalhe e a casa caia.
Amarra uma pedra na carga
De quem fardo leve leva.
Pai, não prenda pedrasQue façam meu fardo pesar.
Oriki de Exu 2
Lagunã incita e incendeia a savana.Cega o olho do sogro com uma pedrada.
Cheio de orgulho e de charme ele marcha.
Quente quente é a morte do delinquente.
Exu não admite que o mercado se agite
Antes que anoiteça.Exu não deixa a rainha cobrir o corpo nu.
Exu se faz mestre das caravanas do mercado.
Assoa — e todos acham
Que o barco vai partir.
Passageiros se preparam depressa.
Exu Melekê fica na frente.O desordeiro está de volta.
Agbô é forte, firme, maciçoDá na aiabá com uma clavaSurra de chicote a mulher do reiDeixa o chorão chorarVê gente se batendo e não aparta.Assim como ele, há criança de cabeça alta.
Agbô — eis aqui minha cabeça.
Ao tempo que viaja, vigia a plantação.
Agbô, dono do açoite que zumba.Bará que bebe da água que silva a selva.Os velhos pentelhos de sua sogra balançam no vento.
Ele se calça e segue dançando a caminho de Oió.
Agbô aguou acaçá no azeite.
Bará Melekê tem tufos de cabelo na cabeça.Agbô, que outro não ponha a mão na minha cabeça.
Agbô vê quando botam pimenta
Na buceta de sua sogra.
Ele é o barbudo que mora na barbearia.
Bará tem os olhos na terra e chora pelo nariz.
Ele toma no mercado sem pagar.
Ele dorme com um porrete do lado.
Laroiê assiste a enterros com os pais do morto.
Os pais do morto tremem de temor.
Os pais choram.
Laroiê chora lágrimas de sangue.
Sua mãe o pariu na volta do mercado.
De longe ele seca a árvore do enxerto.
Ele passeia da colina até a casa.
Faz cabeça de cobra assobiar.
Anda pelos campos, anda entre os ebós.
Atirando uma pedra hoje,
Mata um pássaro ontem.
(1996: 126-8)
São claramente poemas de origem oral recriados magistralmente num modelo de tradução poética criativa, ou mesmo transcriativa, como marca o próprio Risério (ibid.: 81 e ss.). Ele ainda traduz, ao longo de um outro estudo, um oriki de Exu Odara, que também cito para fechar esta antologia de Risério em torno de Exu:
Viva Exu Odara
O bamba que zanza pelo campo
O bom de briga que abafa no bafafá
Que bota uma beca batuta
Pra ser porteiro de Deus.
Rei na terra de Ketu
Convida o alinhado e avia uma de leve.
Ele vem pra revirar o Benim.
Laroiê chora lágrimas de sangue.
Faz o torto ficar direito
Faz o direito ficar torto.
Ele tem oitocentos porretes
Cento e sessenta porretes porretas.
Bate bate batá.
Baixote que chega de noite do mercado
Baixote que chega junto
Como a beira, da estrada.
Viva Exu Odara.
Tomo-o como patriarca da tradução poética do canto africano no Brasil, mas um pouco me distancio. Risério parte para dois caminhos que não pretendo seguir, mas apenas cruzar: em primeiro lugar, apostando no modelo jakobsoniano-concreto de função poética da linguagem, por vezes parece crer que poesia seja o maior acúmulo de efeitos por metro quadrado e acabar hiperformatando (aliterando, assonando, rimando) o texto tradutório; por outro, apesar de apontar para todas as singularidades das poéticas orais, não procura recriar parte da perfomance nagô-iorubá dos oriki de orixás, talvez por isso mesmo deixando de lado as melodias e ritmos das cantigas e dos orin. Da minha parte, se algo há neste projeto de transcriação, é restrito, como categoriza Edimilson de Almeida Pereira:
Nessa modalidade de transcriação, que chamaremos de restrita ou funcional, a instabilidade criativa da palavra oral – que é, ao mesmo tempo, índice de exposição e ocultamento do enunciado – é restringida às áreas de instabilidade sob controle, propiciadas pelas normas que regem o uso da palavra escrita. (2018: 93, grifos do autor)
Isso se dá com a peculiaridade de que passo da voz à escrita com o sonho de relançar à voz em cantigas novas em português, o que talvez a coloque na categoria de “abrangente ou criativa”, resposta que não pretendo dar agora. Tenho de assumir que, no meu caso, não tenho nem sequer as “relações diplomáticas” que Leminski afirmava ter com o japonês e que Risério diz ter com o iorubá; meu caso é muito mais precário e depende mesmo de outras traduções e de conversas com pessoas que sabem mais, além de consultas frequentes a dicionários e gramáticas em caráter de diletantismo. Para realizar o trabalho, tive que escutar inúmeras vezes gravações de cada uma das cantigas abaixo feitas pelo grupo Axé PombaGira no Youtube[4], seguindo seus ritmos e procedimentos melódicos. Assim, se concordo com Risério (1996: 100) que “é impossível reproduzir esse jogo de tonemas” do iorubá, penso que é possível refazê-lo canto, ou seja, deslocando as relações de altura de seu valor fonético para um valor melódico que convida à performance. Por isso, optei por verter as cantigas com seu jogo epigramático e de repetição cantada, em vez das acumulações de oriki.
Um ponto que o leitor perceberá em muitas das soluções é o desdobramento do texto iorubá em uma espécie de duplitradução, sendo que uma tende a traduzir epítetos e expressões, enquanto outra mantém as influências do iorubá no português, bem como os epítetos em sua função de linguagem mágica e evocatória (afinal, os epítetos são nomes, modos de evocação). Nessa duplicação tradutória, penso o poema não apenas como mancha na página, mas sim como performance vocal que pode deslizar de uma para outra versão, desde que ambas caibam na melodia dada, produzindo assim um tríptico: canto do original, canto de cada uma das traduções, que vão se permutando em rito performático e performativo. Um pouco dessa prática já foi realizada em performances do grupo Pecora Loca (voltado para performance vocal e musical de poesia e(m) tradução), como um justo pedido de abertura e proteção a Exu, num canto coletivo ainda desprovido de tambores, como um justo pedido de abertura e proteção a Exu: o que fizemos e fazemos é um modo de relação com o divino, usar da tradução como uma forma de poética, mas também como ética e pragmática da vida; nesse sentido, as linhas entre rito e vida são borráveis, se não já sempre-borradas, e cantar sem ser um iniciado e fora do contexto tradicional é, mais do que apenas brincar com o perigo, também um modo de relação afetiva. Longe de ser um desrespeito com a tradição afro-brasileira, acredito que traduzir e cantar do iorubá ao português, junto com obras gregas, romanas, provençais etc., é marcar uma vida contemporânea ética e esteticamente cruzada também por modos extraocidentais.
Acredito que será perdoável se o resultado como cantopoema tradutório tiver sua fertilidade. É diante da confiança na potência fértil dessas cantigas na produção contemporânea, para além dos terreiros, que também traduzo. Risério nos lembra que Exu “induz ao erro e à maravilha” (ibid.: 112), e assim me entrego ao erro, ou melhor, ao equívoco, segundo o caso.
Antes de passar às cantigas, deixo aqui meu imenso agradecimento à generosidade e amizade de André Capilé, verdadeiro irmão e mestre na poesia e nas conversas. Sem sua ajuda, este trabalho não teria nem mesmo se articulado com a dignidade mínima para ganhar forma. E também ao olhar atento de Luciane Alves e Alexandre Nodari.
1
A pàdé Ọlọ́ọ̀nọ̀n e mo júbà Òjíṣẹ́.
Àwa ṣé awo, àwa ṣé awo, àwa ṣé awo.
Mo júbà Òjíṣẹ́.
Ao padê de Lonã, ê mojubá, Ojixé.
Levar ao louvor, levar ao louvor, levar ao louvor.
Mojubá Ojixé.
Pra encontrar Rei-da-Estrada, venerar Mensageiro.
Levar ao louvor, levar ao louvor, levar ao louvor.
Venerar Mensageiro.
2
Ẹlẹ́gbára rẹ́wà a ṣé awo.
Ẹlẹ́gbára rẹ́wà a ṣé awo.
Bara Ọlọ́ọ̀nọ̀n àwa fún àgò.
Bará Ọlọ́ọ̀nọ̀n àwa fún àgò.
Elegbará é lindo, leva ao louvor.
Rei-da-Força é lindo, leva ao louvor.
Bará-da-Estrada, me dê teu favor.
Bará-Lonã, me dê teu favor.
3
A jí ki ire ni Èṣù, Èṣù kà bí kà bí.
A jí ki ire ni Èṣù, Èṣù kà bí kà bí.
De pé vou saudar Exu, Exu diz quem devém.
De pé vou saudar Exu, Exu diz quem devém.
4
Ẹlẹ́gbára Èṣù ó ṣá kéré kéré.
Ẹkẹsan Bará Èṣù ó ṣá kéré kéré.
O Rei-da-Força Exu corta curto, fundo.
Ekesan Bará Exu corta curto, fundo.
Elegbará Exu corta curto, fundo.
Criação Bará Exu corta curto, fundo.
5
E Ẹlẹ́gbára Ẹlẹ́gbára Èṣù Aláyé.
E Ẹlẹ́gbára Ẹlẹ́gbára Èṣù Aláyé.
É, é Rei-da-Força, é Rei-da-Força, Exu de Poder.
Ê Elegbará, Elegbará, Exu Alaiê.
6
Ó wà lẹ́sẹ̀ l’abọwọlé s’orí àgbékọ́ ìlẹ̀kùn.
Ó wà lẹ́sẹ̀ l’abọwọlé s’orí àgbékọ́ ìlẹ̀kùn.
Ele é quem é, no umbral de pé, chegou na cabeça ao portão.
Ele é quem é, no umbral de pé, parado no ori do portão.
7
Èṣù wa jú wò mọ̀n mọ̀n ki wò Ọdára.
Laróyè Èṣù wa jú wò mọ̀n mọ̀n ki wò Ọdára.
Èṣù awo.
Exu repara, vê, vê louvor, Odara.
Laroiê Exu repara, vê, vê louvor, Odara.
Exu — louvor.
8
Ọdára ló ṣòro, Ọdára ló ṣòro lọ́ọ̀nọ̀n.
Ọdára ló ṣòro e ló ṣòro Ọdára ló ṣòro lọ́ọ̀nọ̀n.
Odara trancador, Odara tranca, Rei-da-Estrada.
Odara trancador, ê trancador, Odara trancador Lonã.
9
Òjíṣẹ́ pa lé fún awo, Ọdára pa lé sọ́ba.
Òjíṣẹ́ pa lé fún awo, Ọdára pa lé sọ́ba.
Mensageiro matou pro louvor, Odara matou pro rei.
Ojixé matou pro louvor, Odara matou pro rei.
10
Ẹlẹ́gbára lẹ́wà lẹ́gbára Èṣù a jú wò mọ̀n mọ̀n ki a awo.
Ẹlẹ́gbára lẹ́wà lẹ́gbára Èṣù a jú wò mọ̀n mọ̀n ki a awo.
O Rei-de-Força, fino, força, Exu repara e vê, vê, meu louvor.
O Rei-de-Força, fino, força, Exu repara e vê, vê, meu louvor.
11
Kò mo ńrí ìjà rẹ̀ ó ìjà rẹ̀ ó Èṣù Ọlọ́ọ̀nọ̀n.
Kò mo ńrí ìjà rẹ̀ ó ìjà rẹ̀ ó Èṣù Ọlọ́ọ̀nọ̀n.
Sem ver brigar, o teu brigar, o teu, Exu Rei-da-Estrada.
Sem ver brigar, o teu brigar, o teu, Exu Rei-da-Estrada.
12
Ó jí gbálẹ̀ á kàrà ó, Èṣù ṣóròkè.
Ó jí gbálẹ̀ á kàrà ó, Èṣùṣóròkè.
Catando caco da cabaça, Exu Xoroquê.
Catando caco da cabaça, Exu Montanhês.
13
A jí kí Barabo ẹ mo júbà, àwa kò ṣé.
A jí kí Barabo ẹ mo júbà, e ọmọdé kọ ẹ̀kọ́ ki
Barabo e mo júbà Ẹlẹ́gbára Èṣù l’ọ́ọ̀nọ̀n.
Saúdo Barabô a venerar, sem fazer mal.
Saúdo Protetor ê mojubá, na escola o moleque aprende,
Barabô a venerar, Rei-da-Força, Exu da estrada.
14
Bará ó bẹbẹ Tirirí l’ọ̀nọ̀n.
Èṣù Tirirí, Bará o bẹbẹ Tirirí l’ọ̀nọ̀n.
Èṣù Tirirí.
Bará feitor é Tiriri da estrada.
Exu Tiriri, Bará feitor é Tiriri da estrada.
Exu Tiriri.
15
Gókè gókè Ọdára, Ọdára bàbá ẹbọ.
Gókè gókè Ọdára, Ọdára bàbá ẹbọ.
(Gókè gókè nidánọ́n, Ọdára bàbá ẹbọ.)
Subir, subir, Odara, Odara é papai de ebó.
Subir, subir Odara, Odara é papai de ebó.
(Subir, subir à chama, Odara é papai de ebó.)
16
Inọ́n inọ́n mo júbà e ẹ mo júbà.
Inọ́n inọ́n mo júbà e àgò mo júbà.
Chama, chama, venerar, eu vou venerar.
Chama, chama, mojubá, licença mojubá.
17
Ẹ má wọn lẹ́ẹ́bá nọ́n, kò rí ìjà.
Ẹ má wọn lẹ́ẹ́bá nọ́n, kò rí ìjà.
Ẹ má jẹ́kì, kò rí ijà.
Ẹ má jẹ́kì, kò rí ijà.
Lebá não queime aqui — a brigar.
Lebá não queime aqui — a brigar.
Não deixe ver — teu brigar.
Não deixe ver — teu brigar.
18
Ọlọ́ọ̀nọ̀n àwa Bará Kétu.
Ọlọ́ọ̀nọ̀n àwa Bará Kétu.
Rei-da-Estrada é Bará de Keto.
Rei-da-Estrada é Bará de Keto.
19
Èṣù sọṣóròkè, Ẹlẹ́gbára kí a awo.
Èṣù sọ ṣóròkè, Ẹlẹ́gbára lẹ́gbáa ó.
Exu é Montanhês, Rei-da-Força com louvor.
Exu é Xoroquê, Rei-da-Força, Legbá, ô.
20
Kétu ké Kétu ẹ Èṣù Alákétu.
Kétu ké Kétu ẹ Ẹlẹ́gbára Kétu.
Keto diz, Keto: é Exu rei de Keto.
Keto diz, Keto: é Rei-da-Força em Keto.
21
Yẹmọnja kó nta ródò, Èṣù a inọ́n kò.
Yẹmọnja kó nta ródò, Èṣù a inọ́n kò.
Iemanjá quer ribeirão, Exu da chama não.
Iemanjá quer ribeirão, Exu da chama não.
22
Àgòlọ́ọ̀nọ̀n àwa pé ńbo, àgòlọ́ọ̀nọ̀n e.
Àgòlọ́ọ̀nọ̀n àwa pé ńbo, àgòlọ́ọ̀nọ̀n e.
Licença ao culto do Rei-da-Estrada, ao Estrada-Rei.
Licença ao culto do Rei-da-Estrada, ao Estrada-Rei.
23
Àgò nbọ nbọ Laróyè.
Àgò nbọ nbọ Laróyè.
Licença ao culto, ao culto, Laroiê.
Licença ao culto, ao culto, Laroiê.
24
Ṣónṣó ọ̀bẹ, ṣónṣó ọ̀bẹ,
Ọdára kò l’orí ẹrù, Laróyè.
Ṣónṣó ọ̀bẹ, Ọdára kò l’orí ẹbọ.
Faca no fio, faca no fio,
Odara sem ori pra eru, Laroiê,
Faca no fio, Odara sem ori pra ebó.
25
Alákétu rẹ̀ Kétu Bará,
Èṣù máa lọ́.
Alaketo, rei de Keto, Bará,
Exu já vai.
*
Bára je n’tan á nlo,
Bára je n’tan máa ló ilé.
Bará comeu, cansou,
Bará comeu, já vai do ilê.[5]
Obras consultadas
A BOCA do mundo — Exu no candomblé. Direção: Eliane Coster Produção: Oka Comunicações Brasil, São Paulo,. 2009. (26 min). Disponível em: https:/?www.youtube.com/watch?v=Ja28zM8_J3w. Acesso em: 9 dez. 2019.
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[1]É notável a semelhança das funções, como lemos em Prandi (2001: 412-13): “[Olodumare] Confirmou Exu no cargo de mensageiro dos deuses, / pois nenhum outro era capaz de se movimentar como ele. / Mas como Exu se cobrira todo com búzios para a reunião, / e como búzio era dinheiro, Olodumare também dava a ele / o patronato dos mercados e o governo das trocas”. No entanto, recordo também o cuidado de Antônio Risério (1996: 71): “Tanto podemos aproximar […] Hermes e Exu, mensageiros itifálicos, quanto podemos apartá-los.”
[2]Na nação jeje Legbá e Ogum Xoroquê não “raspam ninguém”, portanto não se manifestam nos corpos humanos (cf. Parés, 2018: 335). Sobre a etimologia de cavalo, é interessante considerar o termo quimbundo: "Kávalu, sub, (jx) Partidário; companheiro. | Camarada. | Pessoa com que se tem relações de amizade.|| Amigode inverno: —ha mutunge tanga ; tangai kabu, uamba uabatuka. || • adj. Intimo. | Privado.” (Assis Jr., s/d: 106).
[3]“Os tambores são personagens importantes na vida do candomblé. São considerados como seres vivos. São iniciados, e, periodicamente, recebem alimentos para reforçar o seu axé. Cada um deles é filho de um orixá, como os fiéis” (Augras, 2008: 72).
[4]Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=mId0Uc8YGHE.
[5] Esta cantiga não está contida no Livro Cantando para os Orixás, mas faz parte da apostila
Guilherme Gontijo Flores é tradutor, poeta e professor de língua e literatura latina na UFPR. Atualmente trabalha na tradução e na performance das Odes de Horácio.
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